Por Thales Speroni
Depois de oito anos daquele show maravilhoso no finado Porão do Beco, o Metronomy retorna à capital da pilcha indie, nesses tempos de calor e árvores de natal de plástico. Naqueles idos de 2011, eles nos visitaram com um dos melhores álbuns daquele ano, “The English Riviera”, uma obra prima com sucessos absolutos como “The Look”, “The Bay”, “She Wants” e “Corinne”. Sonoridade urbana, oitentista-contemporânea (ao mesmo tempo, sim) e intimista, uma mistura de adjetivos difíceis para uma obra autêntica e impactante. Muitas músicas do álbum de 2011 resistiram ao tempo, passando dos nossos mp3 players ao Spotify e chegando até a novela em horário nobre (“The Look” foi trilha sonora de “A dona do Pedaço”). Uma banda com uma estética de outras décadas em que seus álbuns antigos seguem sendo atuais: é a idiossincrasia a principal característica desse grupo. Uma marca que, sem dúvida alguma aproxima Metronomy de Porto Alegre, já que em ambos o passado e o presente se misturam, geram absurdos questionáveis, mas também maravilhas como uma noite no Ocidente ou a música “Radio Ladio”, ambas coisas ligadas ao passado e, ao mesmo tempo, a frente do seu tempo; são experiências que permanecerão vivas até que esse planeta vire pó (há quem diga que não falta muito).
Passada quase uma década e em plena época de natal – em que tarefas inconclusas estão tão amontoadas quanto as nossas questões existências – Joseph Mount, Oscar Cash, Anna Prior, Olugbenga Adelekan e Michael Lovett voltaram a aparecer por aqui, dessa vez no Opinião. Aí vem a Simone (sempre ela) e pergunta: “Então é Natal, e o que você fez?”. Bom, desde a sua última visita, a banda lançou, em 2014, Love Letters, um disco corajoso que combinou duas doses do psicodélico dos finais dos 60 e dois tantos do glam dos 70 com a sonoridade indie-pop própria da banda. O resultado foi um álbum contestado pela crítica, em que somente quatro músicas resistiram ao tempo e tiveram o privilégio de serem tocadas no Opinião. Esse disco pareceu uma inflexão para a banda na medida em que demonstrou a sua abertura a experimentação, em detrimento de certo foco no mercado. É algo que deve ser valorizado sempre e que expressa outra característica do Metronomy: uma certa despretensão e audácia em tentar coisas novas a partir de referências supostamente antiquadas.
Em 2016, a banda lançou “Summer 08”, reconhecido como “o disco do Joseph Mount”. Esse foi um álbum em que a participação dos demais membros foi colocada em segundo plano, e o resultado foi uma boa avaliação geral da crítica combinada com pouco apelo para o público. As exceções (sempre foi elas) foram “Night Owl” e “Old Skool”. Essa última sendo a única música de “Summer 08” que chegou ao Opinião. Há quem diga que esse disco dissolve a ideia de que o Metronomy é realmente uma banda, colocando Joe Mount como a única fonte criadora do grupo. Se isso é verdade nas dimensões mais técnicas da produção musical, certamente não é na forma como o público enxerga a banda, até porque Joe perde de 7 a 1 em carisma para todos os outros componentes do grupo. Joe pode até ser o mais inteligente da gang, mas certamente não é o mais divertido. Assim como não seria possível fazer Friends somente com Ross, o Metronomy não existiria somente com Mount.
Depois dos longos anos em que não tivemos esses cinco sujeit@s por esses cantos da Terra Plana, o Popload Gig fez o serviço à nação e @s trouxe de volta (obrigado, Lúcio Ribeiro e equipe). No templo da José Patrocínio, encontramos outro Metronomy. Um grupo com uma trajetória consolidada e com muito a mostrar. Foi assim que o setlist deles foi composto, em grande parte, por músicas do novo álbum “Metronomy Forever”. É ótimo receber nesses pagos uma banda que respeita seu público, apresentando coisas ainda não tão conhecidas. Entre o setlist de 2011 e o de 2019, a banda somente repetiu cinco músicas. O fato é que “Metronomy Forever”, sexto disco do grupo, é o mais equilibrado de toda sua trajetória, combinando de forma contundente maturidade e experimentação com diversão. O resultado é um disco que, tal como indica o nome, faz uma costura (e faz muito bem) entre tudo o que foi feito desde o clássico “Nights Out” de 2008 e consolida o legado da banda.
O show da última sexta-feira, dia 13 de dezembro, começou com a “Lately”, música do último álbum em que há uma interação aveludada entre a guitarra e os contornos dos sintetizadores. Um ótimo caminho para a abertura e ambientação do evento. O começo absolutamente pontual do show, o qual não estamos acostumados por aqui, fez com que muitos perdessem essa primeira música. O que ninguém perdeu – e teve gente correndo da rua para chegar a tempo – foi quando eles tocaram, logo depois, o hino “The Bay”. Um estado de euforia coletiva – uma euforia mais implosiva que explosiva – baixou no Opinião. Aquele público, com vinte e poucos em 2011 ou em 2019, cantou cada segmento da letra e cochichou berrando “It feels so good in the bay”. Foi essa a razão que fez os cerca de 500 presentes gastarem mais na entrada do show do que na ceia de natal. Os chesters ficaram felizes, e o público também, ou seja, todo mundo ganhou.
A terceira música “Wedding Bells” e a quarta “Corinne” consolidaram o clima vibrante do show, deu até para arrepiar os pelinhos do antebraço. Foram nessas duas músicas também, que outros membros tomaram a frente da condução do espetáculo. Em “Wedding Bells”, Oscar Cash – o baixinho simpático que também toca saxofone, guitarra e teclados – fez um par de dancinhas desengonçadas, tipo cachorro caramelo quando tá feliz, que encaixaram com perfeição no clima que tava posto. Em “Corinne”, um dos pontos altos do show, a linha crescente da música explodiu quando Anna Prior entrou cantando “I’ve got my heart tied up, I’ve got my heart in a bind, she just wants to dance all the time”. Anna arrebatou todo mundo com uma voz suave e, ao mesmo tempo, intensa.
Em “Whitsand Bay”, que veio logo a seguir, a iluminação saiu de tons azuis e vermelhos, para algo mais escuro em uma paleta amarela intensa. A baladinha “Everything goes on my way” surge depois com os vocais de Anna Prior em primeiro plano. Mais uma vez ela conseguiu fascinar o público com uma música mais lenta. Anna conseguiu arrancar gritos, embora fossem gritos sussurrados. Era o que pedia a música.
Se eles tivessem seguido a mesma ordem de músicas do show do Rio de Janeiro, eles teriam tocado “She Wants”, mas não rolou. A ausência de “She Wants” foi sentida, bom, particularmente por uma menina que estava do meu lado. Saiu revoltada do show, vai vê ela tinha treinado a semana inteira “I call her shots / ‘Til you wake up”. Além dessa canção, eles deixaram de tocar “Lying Low”, música instrumental do novo álbum que, certamente, teria produzido um ambiente completamente diferente. A falta dessas duas canções fez com que o show em Porto Alegre tivesse cerca de oito minutos a menos do que o do Rio. Mas, não esqueçam isso, experiências não são medidas no cronômetro.
Depois de “Everything goes on my way” se iniciou uma sequência mágica e heterodoxa de músicas com aquele swingzito electro que está na raiz do Metronomy. “Reservoir”, “Walking in the Dark” e “Boy Racers” formaram o “miolo de show” que a gente merecia e queria; indo do electro francês, passando pelos synths mais contemporâneos e chegando em um mundo pixelado em que tudo é colorido. Ao terminar essa viagem, Mount pediu desculpas por demorar tanto tempo para voltar a Porto Alegre e aproveitou para puxar um pouco o saco, dizendo que temos uma grande e linda cidade e que estava pensando em se mudar para cá. Isso vindo de alguém que mora em Paris, pode ser considerado um ótimo elogio. Como muitos dos que vem nos visitar, eles fizeram o agrado de falar em português. Michael Lovett disse “capivara” (pronunciou mais “caupibara”) e Anna Prior declarou “gosto muito de você”. A gente também gosta de ti, Anna.
Essa conversa com o público ao final de “Boy Racers” mais do que simpatia espontânea, foi uma estratégia para que a banda pudesse entrar com sons que quebravam com a linha que vinha sendo explorada. Foi assim que veio “Insecurity”, algo completamente diferente, muito mais próximo de um indie rock tradicional, deixando as bases sintéticas para uma posição secundária. A música, presente no novo álbum da banda, foi bem recebida pelo público, mas com menos intensidade que as anteriores. Essa diminuição do ritmo do show abriu espaço para a vinda de “I’m aquarius”. Em um clima aquático, o que mais chamou a atenção do público não foi o vocal de Joe, mas o back vocal de Anna Prior, “chuchuchuaaaaaa” cantava ela, mas há quem tenha escutado “tchuchucaaaa”.
Nesse ponto do show, a verdade é que Joe, o capitão dessa barca chamada Metronomy, estava com cara de cansado. “O que aconteceu com você?” dava vontade de perguntar. Em entrevista recente, Mount disse: “Eu sou um cara de 36 anos fazendo música, sou um cara que está tentando descobrir o porquê e para quem eu estou fazendo isso”. Essa busca reflexiva está na cara de Joe, e não tem como deixar de reconhecer que ele não está sozinho nessa busca de sentido para o viver. Essa sensação de falta de energia do “frontman” foi visível e contrastou com o carisma de Anna Prior, Olugbenga e Oscar. Michael, por sua vez, tem uma vibe IT Crowd com um tiquim gótico e, por isso, “carismático” não seria uma descrição precisa para ele.
No que termina a balada setentista “I’m Aquarius”, se iniciam momentos mais dançantes em que músicas de quatro álbuns diferentes entram em sequência: “The End of You Too” (clássico instrumental de “Nights Out”), “Old Skool” (uma das duas músicas agradáveis de “Summer 08”), “Salted Caramel Ice Cream” (uma ida a redenção de mão dada com a pessoa que você gosta, música do novo disco) e The Look (O hino do “The English Riviera”).
Poucas bandas conseguiriam fazer uma sequência tão apelativa e dançante com tantos álbuns distintos. Não preciso nem dizer que em “The Look” veio a êxtase geral. Interessante notar que, uma vez mais, quem manteve a energia da performance em palco não foi Joe, mas sim Olugbenga e Oscar que chegaram a fazer uns passinhos de dança juntos.
A parte final do show foi marcada por uma sequência curiosa e que, com certeza, foi intencional. “Love Letter” e “Sex Emoji”. Apesar da sonoridade contrastante entre as músicas, elas formam a brincadeira com o tempo, seus símbolos e estéticas, que é típica do Metronomy. Das cartas de amor aos emojis sexuais. Tudo parece tão certo e errado. Nota especial para “Sex Emoji” que, mesmo não sendo nenhum primor artístico, foi incrivelmente efetiva. É uma música difícil de esquecer, catchy ao extremo. Nas ruas de Porto Alegre é possível ver gente cantarolando Sex Emoji uma semana depois do show.
Ao encerrar o show, a banda mal esperou os pedidos de bis e retornou. Joe assumiu o palco sozinho e tocou “Upset my Girlfriend”. Bom, não há dúvidas de que essa é uma música upseting. Ponto menos intenso (um eufemismo) do show, com um tom exageradamente nostálgico que contrastou com o que se sentiu nas músicas anteriores. Bom, para finalizar de forma épica essa noite – que terminou mais rápido do que fôlego de fumante – tocaram, em seguida, o clássico “Radio Ladio”. Veio direto, bem na nossa cara, não tiveram nem a educação de perguntar se estávamos preparados. Nada poderia ser melhor.
Metronomy é, mesmo que a mídia internacional não queira reconhecer, uma banda-sitcom. Primeiro porque é despretensiosa, inventiva e cosmopolita. É como se estivéssemos no apartamento do Lúcio em São Paulo ou do Pete em Londres. Boletos, anos de vida e amores líquidos empilhados por todos os lados, compondo as histórias e as conversas que são jogadas ao ar pelas pessoas que se gostam. É como se o Opinião fosse a sala em que amigos, com trajetórias e atitudes completamente diferentes, se encontrassem para buscar os significados do viver. É nesse ambiente imaginário que Metronomy transforma sons em música, é na brincadeira entre amigos, bêbados ou não, felizes ou nem tanto.
Metronomy é uma banda sitcom também porque cria ambientes intimistas em que as pessoas se reconhecem nos personagens desenvolvidos por cada um dos músicos. E, como em todo sitcom, cada um tem o seu personagem favorito. Em Porto Alegre, não há dúvida, é a baterista Anna Prior. Foi a mais aplaudida e a cada entrada de seus vocais os ânimos subiam. “Deixa a guria cantar” é o que Porto Alegre falou para banda. Dava pra ver várias bateristas fodas desses pagos também pedindo espaço e elas estavam no público desse show, como é o caso de Letícia Rodrigues, conhecida por ser a baterista da banda Planondas. Isso não é aleatório. Metronomy é uma banda que se apresenta, mas também representa. Para terminar, vou contar um segredo para vocês, Metronomy não é somente um sitcom, mas é um sitcom gaúcho (saudades POA/RS), ou essa idiossincrasia toda vem de onde? Esqueçam qualquer teoria alternativa.
Sobre o autor:
Thales Speroni é doutor em sociologia e produtor da Rockwork Orange